Manuel Vicente desmente mas não convence


O Vice-Presidente da República, Manuel Domingos Vicente, declarou hoje que são falsas e atentatórias ao seu bom nome informações veiculadas pela imprensa de todo o mundo, com excepção para a que pertence ao regime, sobre o seu suposto envolvimento em factos que estarão a ser objecto de uma investigação, em Portugal.

Eis o comunicado emitido por Manuel Vicente e recebido na Redacção do Folha 8:

“Tem estado a ser veiculadas pela comunicação social notícias dando conta do meu suposto envolvimento em factos que estarão a ser objecto de uma investigação conhecida por “Operação Fizz”, conduzida pelas autoridades judiciárias portuguesas.

Desconheço se o veiculado pela comunicação social corresponde ou não àquilo que estará a ser efectivamente investigado. Porém, os relatos apresentados por diversos órgãos de comunicação a meu respeito, para além de não corresponderem à verdade, atentam gravemente contra o meu bom nome, a minha honra, imagem e reputação.

Na verdade, sou completamente alheio, nomeadamente, à contratação de um magistrado do Ministério Público português para funções no sector privado, bem como a qualquer pagamento de que se diz ter beneficiado, conforme relatos da comunicação social, alegadamente por uma sociedade com a qual eu não tinha nenhuma espécie de relação, e que não era nem nunca foi subsidiária da Sonangol.

Quanto ao processo arquivado, ao que sei uma simples averiguação de origem de fundos relativos à compra de um imóvel, confiei a minha representação a um advogado, o qual apresentou comprovação cabal da origem lícita dos fundos, com o que o processo não poderia deixar de ter sido arquivado – comprovação essa que, se necessário, poderá ser renovada.

O envolvimento do meu nome na investigação ora em curso, não tem, pois, qualquer fundamento; não obstante, estou totalmente disponível para o esclarecimento dos factos na parte em que me dizem respeito, de modo a pôr termo a qualquer tipo de suspeições, e, com certeza, tudo farei para que sejam devidamente reparados os graves danos causados à minha pessoa.”

Uma tradução linear

O vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, diz ser “completamente alheio à contratação” do procurador Orlando Figueira, para o sector privado, assim como a “qualquer pagamento” de que alegadamente aquele magistrado beneficiou.

O actual vice-presidente de Angola reagia, por insistência – segundo apurou o Folha 8 – do Presidente José Eduardo dos Santos, às notícias (ocultadas pelos órgão do regime – Jornal de Angola, TPA, RNA e Angop) sobre o seu suposto envolvimentos em factos relacionados com a investigação da “Operação Fizz”, conduzida pelas autoridades judiciárias portugueses, e que levou à detenção e à medida cautelar de prisão preventiva de Orlando Figueira, antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

Manuel Vicente, antigo presidente da Sonangol, salienta que o seu envolvimento na investigação portuguesa “não tem, pois, qualquer fundamento”, porém manifesta-se “totalmente disponível para o esclarecimento dos factos (…), de modo a por termo a qualquer tipo de suspeições”.

Quererá essa disponibilidade dizer que Portugal não precisa de emitir, através da sua Procuradoria-Geral, uma carta rogatória para a nossa PGR, solicitando os seus bons ofícios para notificar Manuel Vicente, pedindo respostas às perguntas processuais que depois – se dadas – seriam enviadas para Lisboa?

Quererá essa disponibilidade dizer que Portugal não precisará de notificar Manuel Vicente para que este seja ouvido em Lisboa ao abrigo da convenção de auxílio judiciário da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), situação que só por si garante a Manuel Vicente que não será detido nem impedido de regressar a Angola?

Quererá essa disponibilidade dizer que Manuel Vicente constituiu de facto um advogado no sentido de este contactar o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) para calendarizar o interrogatório?

Quanto ao processo arquivado por Orlando Figueira, no início de 2012, no comunicado, o vice-presidente angolano refere que, ao que sabe, foi uma “simples averiguação de origem de fundos, relativos à compra de um imóvel”. “Confiei a minha representação a um advogado, o qual apresentou comprovação cabal da origem lícita dos fundos, com o que o processo não poderia deixar de ter sido arquivado – comprovação essa que, se necessário, poderá ser renovada”, acrescenta.

Orlando Figueira, com licença sem vencimento desde Setembro de 2012, está indiciado por corrupção na forma agravada, branqueamento de capitais e falsidade informática, encontrando-se em prisão preventiva, no estabelecimento prisional de Évora.

No mesmo processo, foram ainda constituídos arguidos, o advogado Paulo Blanco, por suspeitas de corrupção activa, e uma entidade colectiva, que oficialmente ainda se desconhece qual é.

O procurador Orlando Figueira foi responsável, entre outros, pelos processos “BES Angola” e pelo “Caso Banif”, relacionado com capitais angolanos, tendo arquivado este último.

O Senhor Petróleo

Não sendo de origens abastadas, como é que Manuel Vicente se torna numa das figuras mais ricas do regime? Em 1991 entrou para a Sonangol como funcionário e ocupando o cargo director-adjunto até 1998, chegando a presidente um ano depois.

Foi Manuel Vicente quem liderou negociações com os gigantes mundiais do petróleo, como a Exxon Mobil, a Chevron, a Total, a Elf ou a BP. Em 2011, o ultimo ano de Manuel Vicente na Sonangol, as receitas da petrolífera ascenderam a cerca de 34 mil milhões de euros, montante que coloca a empresa ao nível dos gigantes mundiais como a Amazon ou a Coca-Cola.

A gestão de muitos milhões, feita por meios opacos, de há muto que colocou a Sonangol no radar da corrupção. Isso mesmo foi dito pela Global Witness e Fundo Monetário Internacional.

Em 2011 a Sonangol teve 34 mil milhões de euros de receitas. Nesse ano o FMI detectou um buraco nas contas nacionais de Angola de cerca de 32 mil milhões de dólares americanos entre 2007 e 2010. Um montante que, alegadamente resultante das receitas de direitos petrolíferos, que a Sonangol nunca transferiu para o Estado. A gestão de Manuel Vicente fica igualmente marcada por 4,2 mil milhões de despesas não registadas da Sonangol.

Embora pouco transparente, o sucesso de Manuel Vicente na Sonangol catapultou-o para o círculo íntimo do presidente, sentando-o ao mesmo nível de ‘Kopelipa’ e ‘Dino’, para além de interlocutor-mor dos negócios com Isabel dos Santos e os filhos de José Eduardo dos Santos.

No meio de todo este imbróglio importa recordar que, em 2013, depois da abertura, em Portugal, de investigações criminais por suspeitas de branqueamento de capitais contra João Maria de Sousa, procurador-geral da República, o general ‘Kopelipa’ e o próprio Manuel Vicente, José Eduardo dos Santos anunciou formalmente o fim da “parceria estratégica com Portugal”.

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